Culpa, cansaço e solidão: a selfie da mulher brasileira

Ausência paterna e relacionamentos ruins: alguns conceitos questionáveis propagados como conceitos da psicologia para a gente pensar. 

Se você teve um pai ausente emocional ou fisicamente e é uma mulher que se relaciona com homens, muito provavelmente já se questionou sobre a qualidade dos seus relacionamentos afetivos. 

“Você busca o seu pai nestes homens, por isso se relaciona com homens indisponíveis afetivamente”. 

Você deve ter ouvido isso de diversas pessoas que se sentem a vontade para falar sobre a sua vida! Sejam elas, profissionais de psicologia, amigas e amigos e, às vezes, até pessoas que nem têm tanta intimidade com você, mas tem muita falta de bom senso em achar que podem te analisar!

O que todas essas pessoas têm em comum? 

Veja, nenhuma delas te acolhe pelas suas dores emocionais, nenhuma delas te escuta verdadeiramente! 

Todas elas te responsabilizam pela falta de responsabilidade afetiva dos homens. 

Estes homens não são responsabilizados pela falta de maturidade e responsabilidade deles!

Culturalmente, nossa sociedade costuma culpar as mulheres que eles, por puro descaso, destruíram as vidas. 

Mulheres estas que seguem tentando se reerguer dia-a-dia e tocar as suas vidas com esperança, força e em busca de resgatar a sua autoconfiança drenada por estes relacionamentos.

“Ah! Você que tem o de do podre”, escutam muitas mulheres que, mantendo a esperança viva, se permitem viver outros relacionamentos em busca do amor que nos foi ensinado desde cedo que deveria ser o nosso objetivo de vida!

Um Conto de Fadas?

Vejo muitas mulheres, inclusive colegas de profissão, dizendo que a culpa é então dos Contos de Fadas. 

Isso não é totalmente verdade já que há uma grande distorção sobre este tema porque, em suas versões originais, os Contos de Fadas têm uma função psíquica muito importante.

Eles não costumam terminar com “felizes para sempre”, como os contos da Disney que tomaram este rumo porque era mais rentável para a essa indústria que visa entretenimento e lucro e não desenvolvimento e saúde emocional. 

As histórias são bálsamos medicinais. Elas têm uma força! Não exigem que se faça nada, que se aja de algum modo – basta que prestemos atenção. A cura para qualquer dano ou para resgatar algum impulso psíquico perdido está nas histórias”

Clarissa Pinkola Estés

A base para isso tudo é o patriarcado que coloca as mulheres em lugar de subordinação, drenando a nossa força, nossa potência e nos tira a nossa consciência sobre quem somos e o que verdadeiramente podemos se acreditarmos em nós! 

O “amor romântico” é a ideia de que vai sendo implantada em nós pelas falas da família, pelas histórias que a industria do entretenimento conta e pela cultura patriarcal de que vamos crescer e encontrar o nosso “príncipe encantado” que vai “nos salvar” das torres, dos perigos e das prisões existenciais e nos fazer sentir que encontramos o “sentido da vida”!

Essta é uma das maiores armas deste sistema que verdadeiramente nos aprisiona em nós mesmas. 

É essa arma que faz com que tantas de nós percamos boa parte do tempo e de nossas vidas em busca da “terra prometida” do “amor verdadeiro” porque ninguém consegue atingir esse ideal romântico já que um casal é feito por duas pessoas, não necessariamente um homem e uma mulher como fomos ensinadas pela cultura heteropatriarcal branca, que estão tentando apenas lidar com as suas próprias vidas e que, de alguma forma, resolveram compartilhar a caminhada na vida!

Não! O que nos ensinam é que deveríamos apenas fazer o projeto de encontrar alguém para construir uma vida juntos, sem pensar em que vida realmente gostaríamos de viver!

Não nos ensinam a analisar se a pessoa que encontramos tem objetivos semelhantes e a rejeitar estar com essa pessoa se a resposta para isso não for sim!

Pelo contrário, somos ensinadas a nos ajustar no projeto do outro, silenciar os nossos desejos sobre como gostaríamos de viver a nossa vida e a assumir a responsabilidade pela falta de responsabilidade e respeito do outro.

Só somos validadas quando encontramos um “parceiro” e nos comprometemos em cumprir aquilo que esperam de nós: o papel de mulher de criar uma família!

Vejo mulheres incríveis que fizeram e fazem vida incríveis se sentindo muito mal consigo por não atenderem esse ideal enquanto não se dão conta do quanto são vitoriosas por si mesmas e pelo que fazem de suas vidas!

Na mesma medida, vejo mulheres que cumpriram este protocolo e constituíram famílias, casaram-se e, ainda assim, não experimentam em seus dias essa felicidade que lhes foi prometida e reforçada em cada comercial de TV.

Todas estão insatisfeitas, cansadas e solitárias!

Essa “terra prometida” do “amor romântico” não existe e nos aprisiona fazendo gastar nossa energia tentando ter um relacionamento perfeito e, quando conseguimos um relacionamento, a tentar consertar este relacionamento para que se torne parecido com esse ideal nos tirando do páreo com os homens que nunca foram impulsionados a gastar energia nisso, mas em suas carreiras, seus prazeres e suas conquistas.

Nos ultimos dias tenho visto nas redes sociais uma série de posts sobre mulheres que “compararam homens na planta” e os transformaram em um case de sucesso do relacionamento ideal.

Me pergunto se esse trabalho foi remunerado, se agora somos arquitetas de homem adulto que deveria já vir com as chaves de si nas mãos ao encontrar mulheres que estão trabalhando construindo a si mesmas.

A busca pelo “amor-perfeito” nos tira o sorriso, as forças e a atenção sem nos deixar espaço para descobrir o amor fundamental para a nossa vida em qualquer tempo e ocasião: o amor próprio!

Até porque, quando nos amamos verdadeiramente, aprendemos a não estar mais em relações que não são saudáveis. 

Abandonamos o lugar destinado a nós nessa sociedade: 

“o lugar de servir!”. 

Se abandonamos este lugar, em nossa sociedade que, adoecida, nos adoece, somos taxadas de loucas, egoístas, frias e, como punição, somos isoladas para servir de exemplo a outras mulheres como alerta para que não se rebelem contra este sistema patológico e cruel. 

Mulheres se sentem só, estejam elas ou não em relações amorosas. 

Outros recortes podem tornar essa solidão ainda maior, como os raciais, socioeconômicos, religião e, por último e não menos importante, a maternidade. 

Não se tornar mãe, não cumprir a expectativa da sociedade para as mulheres e para pessoa quem tem útero, de se reproduzir, também é considerado um ato de rebeldia a ser contestado em cada roda de conversa, cada espaço que se ocupa e ao longo de toda a vida! 

Sim! Existem tantos desafios que nos atravessam desde o nascimento, desde o nascer do sol, em cada passo, que ser mulher é e sempre foi um ato de resistência. 

É cansativo ser mulher! 

De alguma forma, a culpa cai sobre nós que, mesmo tendo muita consciência de si, somos assoladas por muito tempo em nossa vida pela culpa que nos faz perder tempo e oportunidades enquanto buscamos o motivo para essas punições, como os relacionamentos tóxicos e, quando os rejeitamos, o isolamento.

Ao invés de se rever, a sociedade nos isola para que voltemos ao lugar que esperam de nós. 

Vejo constantemente mulheres incríveis e gigantes sofrendo em seus casulos tentando buscar o motivo de sofrerem. Aceitam a culpa por algo que não são responsáveis e repetindo discursos como: “tenho o dedo podre!” ou, “a culpa é minha”. 

As vejo repassando mentalmente cada passo dado tentando entender onde erraram, sem se dar conta de que o erro está na cultura que nos diz que sempre termos que servir, nos submeter e não ensina aos homens que eles precisam ser responsáveis por si e pelos seus afetos e pelos seus cuidados.

As mulheres ficam ali no lugar de cuidar dos caras adultos, além de cuidar de si, dos filhos, do trabalho, da casa e, muitas vezes, do sustento da família. 

Nunca estivemos tão cansadas! 

Mulher, eu quero lhe dizer, parafraseando a cantora Ekena, “a culpa que tu carrega não é tua!” Veja quantas coisas têm por trás deste cansaço, quantos complexos culturais alimentam o seu sentimento de inadequação e resultam nesse cansaço!

Veja que vivemos em uma sociedade que pega a nossa maior força e ridiculariza se não estivermos dentro dos parâmetros desta sociedade heteropatriarcal branca.

Se você é uma mulher que se posiciona, é taxada como grosseira, arrogante e, o principal discurso para invalidar a fala de uma mulher: “louca“!

Escrevo para você que está exausta, mas, mesmo assim segue repassando cada passo de sua caminhada “tentando entender onde você errou“.

Escrevo para que você saiba que por trás da sua exaustão existe um sistema que te aprisiona na culpa por não atingir o inatingível e chegar a um lugar que não vai existir se você não soltar a culpa, a expectativa e, a partir daí, se olhar com compaixão e amorosidade. 

Escrevo para que você possa silenciar todo esse barulho lá fora e possa escutar a voz que soa dentro de você te conectando com quem você verdadeiramente é!

Escrevo para você ignorar o que falam sobre prioridades! Para que você esqueça tudo sobre a mentira que te ensinaram dizendo que se amar é egoísmo!

Seja egoísta sim! 

Ame-se a cima de tudo e de todos!

Ponha a máscara no seu rosto antes de tentar salvar os outros!

Deixe que os homens assumam a responsabilidade por si! Sendo eles adultos e funcionais, não faz sentido que não se responsabilizarem por seus cuidados, pelas suas relações e por tudo o que as mulheres são capazes de cuidar.

Se amor-próprio for egoísmo, então egoísmo é fundamental à existência de uma mulher!

Se alguém insiste em te colocar neste lugar que a sociedade destinou a nós, passe por cima deste concelito, desvie-se o quanto for possível dessa pessoa e siga sua caminhada de cabeça erguida! 

Comprometa-se com os seus projetos com a mesma paixão em que você foi ensinada a se comprometer com a busca do projeto de encontrar a felicidade consturindo a familia perfeita, o relacionamento perfeito e a corrigir um homem até ele tornar o ideal que te ensinaram!

Nutra-se daquilo que alimenta o seu corpo e a sua alma porque se você não fizer isso, ninguém mais fará!

Me conte nos comentários como você se sentiu lendo a coluna dessa semana e compartilhe com as mulheres cansadas que precisam de um descanso.

Deixo um convite especial para você que chegou até aqui!

Venha participar conosco deste Grupo de Leitura Terapêutica do livro Mulheres que Correm com os Lobos e, através das histórias e da psicologia junguiana, encontrar dentro de você as ferramentas que precisa para descansar de toda essa vida fadigante e escolher uma nova rota para a sua caminhada pela vida. 

Vamos juntas por este caminho mais saudável para o seu corpo e suas emoções.